Netanyahu será levado à justiça?

Ontem (20/05), os veículos de mídia no mundo inteiro foram surpreendidos pela inusitada notícia de que o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, está pedindo mandados de prisão por crimes de guerra contra Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, e Yoav Gallant, o ministro da defesa.

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A acusação contra eles inclui:

  • Ter causado a fome de civis como método de guerra;
  • Ter causado grande sofrimento e severos danos físicos e à saúde;
  • Homicídio doloso (ou seja, com intenção);
  • Ataques intencionais a população civil;
  • Extermínio e/ou assassinato;
  • Perseguição; e
  • Outros atos desumanos definidos como crimes contra a humanidade.

Se os mandados forem emitidos, isso significa que os 124 países membros do TPI serão obrigados a deter e transferir estes homens caso coloquem os pés no seu território. A grande questão é: algum dia eles serão emitidos? A questão é espinhosa.

Esta é a primeira vez na sua história que o TPI considera a possibilidade de emitir mandados de detenção contra um país que não só é amigo dos Estados Unidos, como também um de seus principais aliados e parceiros de crime.

O gabinete de Karim Khan, o procurador-chefe, tem investigado crimes relativos às obrigações legais de Israel na Faixa de Gaza. Israel tem lutado contra as críticas internacionais sobre a sua campanha militar na Faixa de Gaza, que já matou mais de 35 mil pessoas e deixou cerca de outras 1,7 milhão deslocadas. Também ignorou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que exigia um cessar-fogo imediato para o mês de abril.

O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ordenou “medidas imediatas e eficazes” para proteger os palestinos na Faixa de Gaza ocupada do risco de genocídio, garantindo “a necessária assistência humanitária e permitindo serviços básicos”. Israel não adotou sequer as medidas mínimas a cumprir.

A ordem de prestação de ajuda foi uma das seis medidas provisórias ordenadas pelo TIJ em 26 de janeiro e Israel teve um mês para apresentar um relatório sobre o cumprimento das medidas. Durante esse período, Israel continuou a desrespeitar a sua obrigação como potência ocupante de garantir que as necessidades básicas dos palestinos em Gaza fossem satisfeitas.

Mas o que foi feito a respeito?

Nem Israel e nem os Estados Unidos estão entre os 124 países membros do Tribunal. Os EUA já afirmaram que se opõem à investigação do TPI sobre os crimes de guerra israelenses em Gaza, afirmando que não consideram que a corte “tenha jurisdição”.

Os EUA também defenderam Israel no caso apresentado ao Tribunal Internacional de Justiça, um órgão separado em Haia, que alegava que as forças israelenses estão cometendo genocídio em Gaza.

Este é mais um exemplo da relação incestuosa entre Israel e o imperialismo norte-americano. É precisamente este apoio incondicional e permanente que permite a Israel escapar impune de assassinatos – literalmente – durante décadas.

É isto que dá a Netanyahu e à sua equipe a sensação de invulnerabilidade absoluta que orienta todas as suas ações, incluindo o desafio aberto aos próprios Estados Unidos. Netanyahu sente que tem o direito de cuspir na cara do presidente daquele país pela simples razão de que Joe Biden nunca conseguirá tomar quaisquer medidas decisivas para impedir que a camarilha dominante em Israel faça tudo o que deseja.

O homem na Casa Branca só pode culpar a ele mesmo por esta situação. Ele mesmo a criou através das suas ações extremamente tolas no 7 de Outubro do ano passado. Naquela situação, era inevitável que Washington expressasse o seu apoio a Israel, defendendo o seu “direito de se defender”. Mas Joe Biden foi muito além disso.

Em um movimento completamente sem precedentes, Biden saltou imediatamente para um avião e se apressou em se apresentar perante Netanyahu, a quem abraçou publicamente diante das câmeras de televisão, prometendo oferecer apoio incondicional a Israel.

Essa demonstração exagerada estava completamente fora de ordem e era totalmente desnecessária. Ele poderia facilmente ter enviado Tony Blinken, ou qualquer um dos seus outros lacaios, para entregar uma mensagem formal de apoio a Israel. Mas, ao dar este passo, amarrou permanentemente as mãos da política externa dos EUA e inflou o ego de Netanyahu e da sua equipe, que agora ganharam liberdade total para fazer o que quisessem.

Nas palavras do célebre diplomata francês Talleyrand, “C’est pire qu’un crime, c’est une faute” – “É pior que um crime; é um erro”. E o imperialismo norte-americano pagou por este erro estúpido a partir daí. No entanto, este é apenas um exemplo extremo da política seguida por Washington durante décadas.

Sucessivas administrações dos EUA – sejam elas republicanas ou democratas – prosseguiram uma política de apoio constante a Israel. Isto deu à camarilha dominante israelense uma sensação única de impunidade. Os responsáveis estão bem conscientes de que não importa quantos crimes cometam – e os crimes são inúmeros e monstruosos – nunca serão chamados a prestar contas. Os seus amigos em Washington garantirão isso.

A interdependência entre os EUA e Israel é ainda maior hoje do que em qualquer momento do passado. É agora o único aliado confiável que o imperialismo norte-americano possui na região. Regimes anteriormente obedientes, como o da Arábia Saudita e o da Turquia, tornaram-se gradualmente inquietos face à atitude arrogante e dominadora de Washington. Movem-se cada vez mais na direção de uma maior independência em relação aos EUA, o que inevitavelmente significa cair na esfera de influência da Rússia e da China.

A adesão cega ao que equivale a um apoio incondicional a Israel tornou-se, portanto, ainda mais importante como pedra angular da política dos EUA no Oriente Médio. É ainda impulsionada por um poderoso lobby judeu e “cristão sionista”, apoiada por fundos ilimitados e pelo apoio acrítico daquilo que, por uma razão ou outra, é referido como “a imprensa livre”.

No entanto, esta política não está isenta de riscos consideráveis. O Oriente Médio é um explosivo campo minado no qual a questão palestina não resolvida funciona como um detonador potencial permanente. Os acontecimentos dos últimos sete meses expuseram o quão perigosa essa situação pode ser.

Para Benjamin Netanyahu, os acontecimentos sangrentos do 7 de Outubro vieram como maná caído do céu. Deram-lhe a o pretexto perfeito para fazer o que sempre quis fazer: lançar uma guerra devastadora em Gaza com a intenção de erradicar o Hamas.

Mas sete meses depois, ele não conseguiu atingir nenhum dos seus objetivos. Gaza foi praticamente destruída e milhares de pessoas foram mortas. Mas o Hamas, embora enfraquecido, não foi derrotado e continua a resistir. Os reféns não foram libertados e Israel encontra-se mais isolado internacionalmente do que em qualquer outro momento desde a sua fundação.

Durante muitos meses, Benjamin Netanyahu ignorou as críticas internacionais a Israel, assegurado pela “blindagem de ferro” oferecida pelo presidente dos EUA. Ele só tem uma tarefa em tudo isso e ela é muito simples: salvar a própria pele.

Sua posição como primeiro-ministro é extremamente instável. Na verdade, o seu apoio está desmoronando rapidamente e há divergências abertas na coligação de guerra. Para quem tem o respaldo da Casa Branca, por que se importar com o Tribunal Internacional de Justiça, com os sul-africanos ou com os estudantes da Universidade de Columbia?

Mas até mesmo a administração Biden tem os seus limites. A onda de revolta nos EUA cresce a cada dia. A rebelião estudantil surgiu aparentemente do nada e ganhou força apesar da repressão brutal, ou mesmo por causa dela. Há um mal-estar crescente nas fileiras do Partido Democrata e até mesmo dentro do próprio governo norte-americano.

A determinação do governo de Netanyahu em prosseguir com um ataque em grande escala a Rafah levou finalmente os EUA a intensificar a sua pressão sobre Israel e até a suspender parte da sua ajuda militar. Mas tudo isto não teve absolutamente nenhum impacto.

Netanyahu respondeu à decisão dos EUA com bravata e provocações insolentes. Israel está avançando com o seu ataque a Rafah usando o seu já formidável arsenal. Ele gaba-se de que nenhuma potência externa pode impedir a sua nação de se defender como bem entender. Que Israel “ficará sozinho”, se necessário.

O ministro de extrema direita de Israel, Itamar Ben-Gvir, condenou a declaração de Biden, escrevendo no X: “Hamas Loves Biden”. Anteriormente, Netanyahu poderia supor que os EUA sempre apoiariam Israel e forneceriam o apoio militar necessário. Mas as ações de Biden sugerem que esta já não é uma certeza.

Os EUA sempre fornecerão a Israel armas defensivas, bem como os interceptadores de mísseis. Mas o fornecimento de munições de artilharia e bombas poderosas para operações ofensivas já não pode ser considerado uma garantia. Neste contexto, a declaração repentina e inesperada do TPI caiu como uma bomba na sociedade israelense.

Sentindo claramente o bafo quente do imperialismo na nuca, o TPI tentou equilibrar as coisas, solicitando simultaneamente mandados de prisão contra os líderes do Hamas: Yahya Sinwar, Mohammad Deif e Ismail Haniyeh.

Se a intenção era suavizar a situação e desviar as críticas, o objetivo falhou. As notícias da ação do TPI suscitaram imediatamente uma onda de indignação por parte de Israel. O tribunal foi acusado de “cegueira moral” por membros do gabinete de guerra israelense.

O caráter feroz dos comentários feitos por praticamente todas as facções e partidos políticos indica um nível de choque e fúria que mostra quão completamente inesperadas foram as ações doTPI. O presidente Herzog de Israel disse que a decisão do TPI foi “mais que ultrajante” e “encoraja terroristas em todo o mundo”. Ele exigiu furiosamente que os Estados Unidos e outros membros do chamado “Ocidente coletivo” tomassem medidas para impedir a emissão de quaisquer mandados de prisão.

Suas palavras surtiram efeito. Os Estados Unidos não demoraram a entender a indireta. A medida do procurador do TIP foi imediatamente condenada pelos apoiadores de Israel no Congresso dos EUA. Isto não foi surpreendente, pois mesmo antes da notícia dos mandados de detenção circular, estavam em curso movimentos frenéticos no Congresso para sabotá-los antecipadamente.

O presidente da Câmara, Michael Johnson, apoiado por praticamente todos os republicanos e alguns democratas, elaborou uma proposta de legislação que visa proibir a entrada nos Estados Unidos de qualquer funcionário do TPI e de qualquer outra pessoa envolvida no caso. Isto poderia ter um efeito potencialmente muito prejudicial para a própria ONU – algo que muitos da direita nos EUA e em Israel acolheriam com agrado.

Netanyahu classificou a decisão do TPI de “escandalosa”. E acrescentou: “Isto não vai nos deter, nem a mim nem aos demais”. Se isso significa o extermínio total de toda a população de Gaza e a sua destruição total, que assim seja!

Os parceiros criminosos de Israel juntaram-se imediatamente ao coro de indignação. As reações na Europa foram mistas – desde o apoio até as declarações de que a decisão é “terrível” e “incompreensível”.

O Ministério das Relações Exteriores da França disse que vinha “alertando há muitos meses sobre o imperativo do estrito cumprimento do direito humanitário internacional e, em particular, sobre a natureza inaceitável das perdas civis na Faixa de Gaza e sobre a insuficiência do acesso humanitário”, acrescentando: “A França apoia o Tribunal Penal Internacional, a sua independência e a luta contra a impunidade em todas as situações.”

Mas, em Londres, um porta-voz de Rishi Sunak disse que os mandados de detenção do TPI “não ajudam” e não ajudarão a conseguir uma pausa nos combates. Infelizmente, ele preferiu não nos dizer o que fazer exatamente para alcançar essa meta.

Lord Cameron, o ministro britânico das Relações Exteriores, já tinha deixado bem claro que não acreditava que Israel fosse culpado de qualquer coisa má e, consequentemente, a Grã-Bretanha continuaria a enviar bombas, obuses e outros instrumentos úteis a Israel para o ajudar a servir a causa da paz e da harmonia em Gaza.

Depois de hesitar um pouco, o governo alemão tentou se safar com uma declaração hipócrita de que “respeita” o TPI, mas acrescentou: “A aplicação simultânea de mandados de prisão contra os líderes do Hamas, por um lado, e contra os dois responsáveis israelenses, por outro, deu a falsa impressão de uma equação.” Em seguida, lista os crimes perpetrados pelo Hamas e expressa o apoio ao “direito à legítima defesa” de Israel.

Apesar da sua demonstração pública de bravata, Netanyahu está claramente muito alarmado com o fato de ele e alguns de seus colegas poderem ser indiciados pelo TPI. Israel quer que os EUA trabalhem nos bastidores para pressionar o TPI. E também precisa que os EUA forneçam apoio contra a acusação generalizada de que Israel cometeu crimes de guerra ou genocídio.

Sem problemas! Biden classificou o pedido de mandados de prisão do TPI contra os líderes israelenses como “ultrajante”. Isto foi apenas o início do que será obviamente uma operação bem planejada e financiada para evitar que o TPI emita qualquer coisa que remotamente se assemelhe a um mandado de detenção contra qualquer cidadão israelense.

É bastante certo que, nas próximas semanas, o TPI, o procurador e os juízes sejam submetidos a uma enorme pressão por parte de Washington para retirar o pedido de mandados de detenção, ou para que o mesmo seja rejeitado quando chegar ao tribunal. Resta saber se esta pressão terá o efeito desejado no TPI.

Até agora, eu tinha assumido que a pressão provavelmente resultaria em uma reversão do quadro geral. No entanto, agora, isso me parece improvável. O próprio TPI estava bem ciente de que qualquer decisão deste tipo provocaria inevitavelmente uma reação violenta da outra parte, com consequências potencialmente muito graves a si.

No entanto, por essa mesma razão, fizeram de tudo para apresentar uma enorme quantidade de fatos e provas sólidas, depoimentos de testemunhas, fotografias e filmagens, inclusive de satélites. Além disso, criaram um painel composto por um grande número de eminentes advogados de diversos países, que validou a decisão do procurador.

Perante tamanha montanha de provas, se o Tribunal recuasse, perderia completamente a credibilidade como órgão jurídico independente. Tal conduta imediatamente o exporia à acusação de hipocrisia flagrante e de não ter princípios definidos.

Recordemos que, quando Vladimir Putin foi acusado de crimes de guerra na Ucrânia (o alegado “sequestro” de crianças ucranianas), os norte-americanos e outros se atropelaram na pressa de exigir a emissão de um mandado de captura, que o TPI aceitou obedientemente.

As escassas provas fornecidas no caso de Putin contrastam flagrantemente com a enorme montanha de provas que condenam claramente Israel por crimes de guerra muito mais graves. Portanto, com relutância ou não, o TPI não terá realmente outra opção senão aceitar as provas incontestáveis fornecidas pelo procurador, ou então abandonar completamente qualquer pretensão de ser um árbitro legal, objetivo e legítimo.

Uma coisa está absolutamente clara. A decisão do TPI não terá qualquer efeito sobre os planos da camarilha governante de Israel ou sobre a guerra contra o povo de Gaza. Se alguém pensou que as ações do TPI teriam algum efeito na detenção dos massacres e atrocidades que são diariamente infligidos aos homens, mulheres e crianças sofredores de Gaza, estava muito enganado.

Mais ou menos na mesma altura em que o TPI anunciava a sua decisão, o Ministério da Saúde de Gaza afirmava que mais de 35.562 palestinos haviam sido mortos na Faixa de Gaza desde 7 de Outubro e que 79.652 ficaram feridos no decurso da ofensiva militar israelense. Outros 106 palestinos foram mortos nas últimas 24 horas.

Benjamin Netanyahu entende que parar as hostilidades agora significaria não apenas a perda de poder político, mas também sua deposição, seguida de um julgamento por acusações de corrupção e o fim da sua carreira política. Ele está, portanto, determinado a continuar seu trabalho sanguinário até o fim.

Nem o julgamento legal, as investigações, as resoluções da ONU, nem quaisquer outros jogos legalistas podem salvar o infeliz povo da Palestina de um destino trágico. Isto só pode ser alcançado através da ação unida da classe trabalhadora e da juventude revolucionária de todos os países para derrubar o imperialismo – a causa raiz de todos estas atrocidades no mundo.

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